Justiça e Reparação
Reparação do quê?
Resposta: do dano. Um mal sofrido. Há um mal sofrido que exige ser reparado.
Mas como se repara um mal sofrido?
O mal sofrido é sempre um mal já cometido. Ninguém pode simplesmente voltar atrás para “desmaldizê-lo”, nem a vítima, nem o Estado, e muito menos o algoz (mesmo quando alega arrependimento). Nesse sentido, o dano é até certo ponto um mal irreparável, pois permanece maldito na própria memória da vítima. A memória do mal sofrido é a única memória autêntica do dano! É nela que o mal se imprime como tal. Se houver, portanto, algum sentido possível na reparação, algum modelo de justiça capaz de tanto, esse sentido deve envolver alguma relação:
a) com a memória do mal sofrido; e
b) com a causa do mal cometido.
Modelo de justiça – cinco elementos centrais:
i) função da justiça.
ii) alvo da justiça.
iii) medida da justiça.
iv) legislador da medida.
v) executor da medida.
06 modelos conhecidos:
Modelo 1 – A vingança
i) função da justiça: retributiva/punitiva
ii) alvo da justiça: algoz
iii) medida da justiça: um mal maior do que o mal sofrido
iv) legislador da medida: a vítima ou o seu “procurador” (amparados sempre na crença em alguma ordem superior)
v) executor da medida: a vítima ou o seu “procurador”
– na relação com a memória do mal sofrido, a reparação consiste na plena satisfação da ira da vítima.
– na relação com a causa do mal cometido, a reparação é sinônimo de revanche.
Modelo 2 – A Lei de Talião
i) função da justiça: retributiva/punitiva
ii) alvo da justiça: algoz
iii) medida da justiça: o mesmo mal que o mal sofrido
iv) legislador da medida: o representante de uma ordem superior
v) executor da medida: a vítima ou o seu “procurador” ou ainda alguém designado pelo representante da ordem superior
– na relação com a memória do mal sofrido, a reparação consiste na moderação da ira da vítima.
– na relação com a causa do mal cometido, a reparação é sinônimo de retaliação.
Modelo 3 – Penalidade Moderna
i) função da justiça: retributiva/punitiva
ii) alvo da justiça: algoz
iii) medida da justiça: um mal menor do que o mal sofrido
iv) legislador da medida: Estado
v) executor da medida: Estado
– na relação com a memória do mal sofrido, a reparação consiste, no máximo, na consolação da vítima.
– na relação com a causa do mal cometido, a reparação é sinônimo de privação da liberdade – prisão.
Modelo 4 – Indenização
i) função da justiça: retributiva/punitiva
ii) alvo da justiça: algoz
iii) medida da justiça: um mal menor do que o mal sofrido
iv) legislador da medida: Estado ou representante da ordem superior
v) executor da medida: Estado ou representante da ordem superior
– na relação com a memória do mal sofrido, a reparação também consiste, no máximo, na consolação da vítima.
– na relação com a causa do mal cometido, a reparação é sinônimo de compensação.
Modelo 5 – Perdão
i) função da justiça: indulgente *
ii) alvo da justiça: algoz
iii) medida da justiça: arrependimento
iv) legislador da medida: vítima (via de regra, inspirada na crença em alguma ordem superior)
v) executor da medida: vítima
* remissão do mal sofrido, o dano permanece incomensurável e, portanto, só a graça, o dom, o per–donare, pode redimi-lo.
– na relação com a memória do mal sofrido, a reparação consiste na cura da vítima (livre de qualquer desejo punitivo).
– na relação com a causa do mal cometido, a reparação é sinônimo de reconciliação.
Modelo 6 – Justiça Restaurativa
i) função da justiça: restaurativa
ii) alvo da justiça: vítima e algoz
iii) medida da justiça: arrependimento e responsabilização
iv) legislador da medida: comunidade
v) executor da medida: comunidade
– na relação com a memória do mal sofrido, a reparação consiste no cuidado das necessidades da vítima.
– na relação com a causa do mal cometido, a reparação também é sinônimo de reconciliação.