Umbigo é a cicatriz/musa que nos lembra que nascemos sob o signo de uma radical separação. Assim deixamos o aconchego do útero, onde todo bem-estar é gratuito, para ingressarmos num meio muito mais exigente, a começar pelo primeiro esforço imposto pela necessidade da respiração autônoma. De repente, não carregamos mais conosco o fio que nos ligava à satisfação imediata das nossas necessidades, mas sim o resíduo fisiológico que se oculta no vestígio de uma afecção nostálgica, espécie de saudade do calor uterino em cujo abrigo se imprimiu em nós a experiência do nosso mais comum lar ancestral. Como ignorar a relevância desse traumático acontecimento, exposto na ruptura do vínculo umbilical, para uma genuína arqueologia da moralidade? Como negligenciar a importância de um vir a ser tão trágico e delicado, como é o nascimento humano, onde o tornar-se só se torna possível quando já se conforma também à condição de estar partido? Não seria essa a contradição fundamental vivida pela própria atividade do corpo e que culmina em algum senso de justiça, isto é, nos juízos que acabamos fazendo sobre o que é ou não “nosso”? Donde a questão ética fundamental: como suprir a falta que há em toda parte porque nunca falha em justamente nos fazer caber nela?